segunda-feira, 17 de junho de 2013

O personagem.

O palco esvaziou-se, ele ficou ali suado, estatizado, parado, extasiado. O teatro nunca havia lhe apreciado tanto, as luzes mágicas nunca foram tão claras.
Era apenas o silêncio e sua alma sentada em sua frente, analisando cada pedaço de seu corpo corrompido por outro alguém!
Quem seria ele? Quem o criou?
Seus dedos dos pés se movimentavam de forma que faziam seu corpo acelerar, o mundo parecia pequeno quando o palco ecoava seus passos pelo taco, firme.
Seus olhos observavam a solidão de ter a presença de tantas outras pessoas que não eram e passaram por ali.
Era um abrir de livros, o ecoar de paixões. Poder ser quem quiser sem ilusões de futuro, era abandonar tudo por ali mesmo, deixar rastros e lembranças guardadas na coxia.
Seu personagem era parecido com um enredo de carnaval, não era alguma coisa simplesmente relatada que o movimentava, era ele quem guiava algo que um dia alguém inventou, para guiar-se, salvar ou ser salvo.
Seu corpo parado, ainda extasiado, fazia com que as luzes ofuscassem seus olhos. A beleza do preparo, do estudo, contudo de ser incrivelmente perfeito.
Perfeição é algo que vai além da parte obscura de ser quem não foi gerado, é zelar por alguém e amá-lo por não existir.
Cuidar, alimentar, e perceber criando vida e se criando.
O personagem é algo que esvai da alma, passa pelo alicerce dos dedos, desentope veias do coração.
Mata, morre e sofre, faz alguém sofrer. Corrompe e é corrompido.
É ditado pelo destino do começo ao final, mesmo com uma continuação, fica apenas guardado ali naquelas paredes altas e geladas.
Criar um personagem é gerar um filho sem útero, alimentar sem leite materno, levá-lo para casa sem movimentar-se.
É criar-se, sair de toda a figura alicerçada e acreditar no invisível.
Ali estava ele, apenas sentado numa praça, em domingo de Maio, observando o passar das pessoas... Criou o teatro, amou alguém sem existir, inventou nuanças e saiu escorregando pelo direito de gritar ao mundo seus desejos. Não era nada, só o princípio de toda obra, o poeta.

r. ventreschi.

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